Custo Homem-Hora em Serviços Contínuos de Apoio Administrativo: o ‘labirinto’ dos custos reais, os riscos à isonomia e o dever de impugnar editais que omitem encargos sociais
Custo Homem-Hora em Serviços Contínuos
1 | Introdução
Nos últimos meses, prefeituras baianas vêm lançando pregões eletrônicos para serviços contínuos de apoio administrativo e técnico com uma novidade que, à primeira vista, parece inofensiva — o critério de custo homem-hora. Os editais de Cotegipe (PE 006/2025), Maracás (PE 004/2025) e Ribeira do Pombal (PE 022/2025) explicitam que o preço unitário será a hora trabalhada, adotando a empreitada por preço unitário prevista no art. 6º, XXVIII, da Lei 14.133/2021. Porém, nenhum deles apresenta planilha-modelo que contemple férias, 13.º salário, FGTS rescisório ou provisões de reposição — rubricas que, na prática, representam mais de 30 % do custo anual de um colaborador.
Sem um “norte” oficial, cada licitante monta a própria planilha. O resultado inevitável é quebra de isonomia: concorrentes partem de premissas diferentes, lances ficam incomparáveis e o risco de inexequibilidade se espalha. Este artigo examina, em profundidade, a origem do problema, as dificuldades técnicas enfrentadas pelos licitantes, o impacto jurídico-econômico dessa lacuna e, por fim, defende a impugnação como único caminho razoável para restaurar a igualdade de condições.
2 | Panorama da nova onda “Custo homem-Hora”
Três exemplos ilustram a tendência:
- Cotegipe/BA — PE 006/2025: objeto é a “prestação de serviços terceirizados de mão-de-obra por hora trabalhada” em contratos de 12 meses, vinculados a diversas secretarias municipais .
- Maracás/BA — PE 004/2025: para recepcionistas, vigias e zeladores, o Termo de Referência fixa 760 horas-mês por função, com preço unitário por hora — sem planilha de encargos obrigatórios.
- Ribeira do Pombal/BA — PE 022/2025: trata de até 7 000 horas-mês de agentes e auxiliares, igualmente em regime hora-homem, prevendo valor mensal estimado de R$ 1,48 milhão .
Em todos, a jornada é presumida em 44 h semanais, mas o edital permanece silente sobre como distribuir feriados, faltas legais e férias. Tampouco aparece modelo oficial de planilha, embora alguns dispositivos façam referência genérica à IN SEGES 5/2017. O licitante, portanto, precisa decidir por conta própria se inclui — ou não — férias proporcionais, FGTS multas, aviso-prévio e ajustes de convenção coletiva.
3 | A lacuna regulatória que abre espaço para desequilíbrio
3.1 O que diz a Lei 14.133/2021
A nova Lei Geral de Licitações permite a empreitada por preço unitário quando a unidade de medida é “determinada e mensurável” (art. 6º, XXVIII). Em tese, nada impede que a “hora trabalhada” seja essa unidade. Todavia, o art. 5º impõe que a contratação seja executável e exequível; logo, a planilha de custos deve refletir todos os encargos previsíveis.
3.2 IN SEGES 5/2017 — regra e exceção
O Anexo V, item 2.6, d.1 da Instrução Normativa SEGES 5/2017 estabelece como regra eliminar pagamentos por hora-homem ou posto fixo, privilegiando remuneração por resultado. Abre-se exceção somente quando o serviço é imprevisível e impossível de mensurar previamente, desde que:
- o edital quantifique o total de horas estimadas;
- adote mecanismos de medição e controle de produtividade;
- apresente planilha completa de custos trabalhistas.
Nos editais analisados, o requisito 1 até aparece (quantidades de horas), mas os requisitos 2 e 3 estão ausentes. E isso fere diretamente o objetivo de garantir isonomia e economicidade.
3.3 Jurisprudência do TCU
- Acórdão 1262/2020-Plenário: vaticina que a hora-homem só é aceitável se houver teto de horas e indicadores de desempenho, evitando o “paradoxo lucro-ineficiência”.
- Acórdão 786/2006-Plenário: determina que editais detalhem o método de medição para não remunerar ociosidade.
- Acórdão 8920/2017-2ª Câmara: responsabiliza gestores que aprovam planilhas sem encargos integrais, pois violam o art. 71 da Constituição (controle externo).
4 | O desafio real das planilhas: onde moram os custos invisíveis
4.1 Encargos não contemplados
- O salário: equivale a 1/12 da remuneração anual (= 8,33 %).
- Férias + adicional de 1/3: mais 11,11 %.
- Aviso-prévio e multa de 40 % do FGTS sobre rescisões de contrato indeterminado.
- FGTS sobre 13.º e férias (8 %).
- Custos de reposição de pessoal em ausências legais.
A soma dessas parcelas pode superar 30 % do salário base. Se o edital silencia e o licitante inclui tais verbas, seu preço-hora fica maior do que o de concorrentes que optam por ignorá-las. O resultado? Perde-se competitividade, mesmo apresentando valor exequível.
4.2 Convenções coletivas e dissídios
Os editais exigem, em cláusula genérica, que o licitante “observe a convenção coletiva” (Maracás, item 10.12) , mas não apontam qual CCT, tampouco fornecem a tabela salarial de referência. Cada empresa consulta o próprio sindicato — e chega a salários base distintos para a mesma função.
4.3 Repactuação inviável
Apesar de o art. 135 da Lei 14.133 prever a repactuação quando há variação de custos de mão-de-obra, o edital de Ribeira do Pombal veda “inclusão de benefícios não previstos na proposta inicial” (item 5.13) . Quem não inserir provisão de férias e 13.º salário logo na proposta ficará impossibilitado de repactuar depois, sofrendo perda financeira irreversível.
5 | Quebra de isonomia e riscos ao erário
A ausência de planilha-modelo cria três efeitos nefastos:
- Isonomia comprometida: lances não são comparáveis em bases iguais. Uns contêm 30 % a mais de custos, outros não.
- Risco de inexequibilidade: vencedores que oferecerem preço “enxuto” podem não ter fôlego para pagar encargos futuros, gerando necessidade de aditivos ou risco de rescisão contratual.
- Possível sobrepreço global: para se proteger, empresas sérias elevam margem de administração (BDI) em 15–20 %. Se o edital fornecesse planilha padrão, a margem de segurança poderia cair, gerando economia ao erário.
Esses efeitos violam o art. 37, caput, da Constituição (princípios de legalidade, isonomia e eficiência) e o art. 5º, III, da Lei 14.133 (contratação deve promover vantagens para a Administração).
6 | Dilemas práticos do licitante
6.1 Participar ou não participar?
- Participar sem provisões: preço competitivo, alta chance de classificação, mas risco elevado de prejuízo operacional e passivo trabalhista.
- Participar com provisões completas: segurança jurídica e financeira, mas quase certeza de perder o certame para concorrentes que “otimizam” custos.
- Abster-se: perde oportunidade de faturamento e de manter portfólio de contratos públicos.
6.2 Caminhos alternativos antes do lance
- Pedido de esclarecimento (art. 64, §1º, Lei 14.133) exigindo divulgação de planilha-modelo.
- Impugnação administrativa alegando violação ao Anexo V da IN 5/2017 e ao art. 5º da Lei 14.133.
- Proposta com “Notas Explicativas” (Maracás, item 10.19) , detalhando que o preço inclui encargos ausentes, para criar defesa futura de reequilíbrio.
- Seguro-garantia de 30 % (art. 98 da Lei 14.133) negociado com seguradora que aceite sinistro por rescisão motivada por desequilíbrio econômico. Custo elevado, mas viável em contratos de alto valor.
7 | Fundamentos para impugnação
- Violação à isonomia (art. 5º, caput, CF; art. 3.º, II, Lei 14.133).
- Inobservância da IN SEGES 5/2017, Anexo V — planilha deve contemplar todos os encargos.
- Contrariedade ao art. 92, VI, Lei 14.133 — obriga definir critérios transparentes de medição de desempenho e remuneração.
- Potencial dano ao erário (art. 10, caput, Lei 8.666/1993 aplicado subsidiariamente via art. 191, Lei 14.133) quando o contrato resultar em aditivos emergenciais ou repactuações imprevisíveis.
- Súmula 331/TST — Administração pode ser responsabilizada subsidiariamente se a contratada não recolher verbas trabalhistas, risco ampliado quando os valores não constarem da planilha original.
8 | Caminho procedimental para a impugnação
- Reunir prova documental: cópia do edital, Termo de Referência e anexo de preços (Cotegipe, Maracás, Ribeira do Pombal).
- Laudo técnico contábil comparando planilha com e sem provisões para quantificar risco de inexequibilidade.
- Petição de impugnação endereçada ao pregoeiro (art. 165, §1º, Lei 14.133), protocolada até três dias úteis antes da data prevista para apresentação de propostas.
- Fundamentação nos itens listados acima; pedir expressamente:
- inclusão de planilha-modelo com encargos completos;
- retificação dos quantitativos ou suspensão do certame até ajuste.
- Plano B: se a impugnação for rejeitada, ingressar com representação ao TCM/BA ou TCU antes da assinatura do contrato, requerendo medida cautelar para evitar dano ao erário.
- Divulgação interna: comunicar clientes sobre o risco para decidir se participarão do certame mesmo sem a correção.
9 | Conclusão: Custo Homem-Hora
A migração de editais de serviços contínuos de apoio administrativo para o custo homem-hora não é, por si só, ilegal; contudo, torna-se perigosa quando a Administração pública:
- não fornece planilha padrão com todos os encargos sociais;
- não apresenta mecanismo de medição de produtividade que evite a remuneração da ineficiência;
- não sinaliza como ocorrerá a repactuação diante de dissídios ou férias.
Nesse vácuo, licitantes sérios enfrentam dilemas insolúveis: ou assumem prejuízo potencial de até 30 % da folha para competir, ou inserem provisões e perdem o certame para concorrentes menos cautelosos — um claro desrespeito à isonomia. A omissão também ameaça a própria Administração, que corre o risco de celebrar contratos inexequíveis, arrastando-se depois em aditivos ou rescisões onerosas.
Por essas razões, a recomendação inevitável é: impugne o edital. A impugnação não é capricho; é instrumento legítimo de defesa da isonomia, da exequibilidade e da eficiência. Se a Administração entender o alerta, corrigirá a planilha, nivelando o jogo. Se recusar, restará ao licitante decidir, de forma consciente e documentada, se assume o risco ou leva o caso ao Tribunal de Contas. Em qualquer cenário, a postura proativa protege a empresa de passivos trabalhistas e demonstra diligência técnica perante clientes e órgãos de controle.
Em síntese: onde falta um “norte” oficial, cabe ao licitante erguer a bússola da legalidade. Impugnar é o primeiro passo para não se perder no labirinto do custo homem-hora.
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